REPORTAGEM: JOÃO DE JESUS OLIVEIRA SILVA
EDIÇÃO: COMPONENTES DA DISCIPLINA DE JORNALISMO IMPRESSO I DA UESB
TÍTULO: RELIGIÕES EM DIÁLOGO: ESTRATÉGIAS PARA SUPERAR A INTOLERÂNCIA
EDITORIA: Vozes da Seca
OLHO: Todos têm o direito de praticar suas atividades culturais, desde que respeitando as dos outros.
TEXTO DA MATÉRIA:
A intolerância religiosa é não querer por perto ou praticar um ato de violência contra outras pessoas, só por pertencerem a religiões diferentes. Na região Sudoeste da Bahia, vários casos como esses ocorreram nos últimos anos. Em Vitória da Conquista, por exemplo, religiões de matrizes africanas são as mais afetadas pela intolerância.
Segundo a Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso VI, todos os cidadãos têm o direito à liberdade de consciência e de crença. E também o Código Penal brasileiro, no artigo 208, criminaliza qualquer ato contra a liberdade religiosa. Dessa forma, crença ou prática religiosa, bem como templos e cerimônias devem ser respeitados.
De acordo com a legislação, cada religião deveria poder manter a sua tradição viva. No artigo 215 da Carta Magna, o Estado deve garantir a todos as condições para se ter acesso às formas de cultura e suas manifestações. Sendo assim, o cidadão tem o direito de desenvolver suas atividades culturais, desde que respeitando as dos outros. No entanto, em Vitória da Conquista a realidade tem se mostrado diferente.
O Secretário de Cultura de Vitória da Conquista, Eugênio Avelino Xangai, explica que muitas pessoas praticam atos de violência por falta de conhecimento. "As pessoas não conhecem algo e já consideram aquilo como uma coisa negativa", comenta Xangai em relação às práticas de intolerância religiosa que acontecem no município.
O gestor da pasta municipal de Cultura ainda afirma que o Poder Público vem agindo para promover o direito de todos praticarem a sua religião. "A Prefeitura fez o tombamento de um terreiro de religião afro-brasileira, o Terreiro de Pai Jorge”, conta o secretário. O tombamento, segundo Xangai, é um ato de reconhecimento do povo do terreiro, diante do trabalho de cura e acolhimento desenvolvido nesses espaços. Xangai diz que qualquer pessoa deve ter a sua vontade respeitada: "Têm pessoas que se sentem bem na igreja do pastor e outras que se sentem bem na igreja do padre, ninguém deve ser discriminado".
A religião preserva a cultura e, no contexto atual, as maiores vítimas do racismo religioso são povos com ancestralidade africana. Depois de mais de 135 anos da Lei Áurea, que decretou o fim da escravidão no Brasil, pouco se evoluiu quando se trata de racismo, preconceito contra o povo negro.
Beatriz Ferraz, que é estudante de Direito e faz parte, há quatro anos, da Casa de Caridade Nhã Chica, um dos terreiros de Umbanda de Vitória da Conquista, vem convivendo com situações frequentes de intolerância religiosa. Para ela, isso é um verdadeiro desafio. A estudante acredita que o amor e o respeito devem se tornar a maior religião das pessoas, para que haja liberdade de cultos. Beatriz relata os casos de ataques ao terreiro que frequenta, segundo ela, os vizinhos chegaram a fazer abaixo assinado porque não aceitavam o funcionamento da casa naquela localidade. “Fomos ameaçadas psicologicamente e fisicamente diversas vezes, e se não buscássemos sair daquele local seríamos retiradas à força", denuncia Beatriz.
Para Beatriz Ferraz, o maior apoio vem da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na subseção de Vitória da Conquista. Ela conta que a assistência acontece por meio de comissões que defendem e acompanham as vítimas até as delegacias. Além disso, essas comissões promovem eventos, palestras e procuram inserir os religiosos no debate público, mesmo sabendo que a justiça se torna mais lenta quando se trata de religiões de matriz africana, avalia a estudante de Direito.
Pedro Luiz, pertencente ao Ilè Asé Ojisé Amonilê - Casa do Barro, um terreiro de Candomblé de Conquista, contou que as principais vítimas já estão aprendendo a lutar pelos direitos delas. Para ele, quem mais sofre são as pessoas mais velhas. Segundo o candomblecista, os idosos não possuem o hábito de se defender, "mas nós, os mais jovens, damos a nossa cara a tapa e mostramos a essas pessoas, intolerantes e que se acham os donos da verdade, que a nossa cultura e crença vão muito além da ignorância e do achismo deles", pontua Pedro.
Pedro lembra que a luta existe, mas muitos setores da sociedade precisam colaborar. Ele cita a Mãe Rosa de Oxum, entre outras pessoas, que são lideranças que lutam pelos direitos dos povos de santo. O jovem, porém, reclama da Prefeitura de Vitória da Conquista quanto ao descaso com o assunto. Ele conta que a população afetada faz a parte dela, promovendo protestos e denúncias, contudo não é atendida pela polícia, que deveria tomar as medidas necessárias para punir essa violência. Pedro cita a principal causa desses crimes ocorrerem: a falta de punição daqueles que cometem. O jovem destaca a importância de sua religião para o bom funcionamento social, pois, segundo ele, Orixá é ter consciência de praticar o bem: “Se houvesse união, o mais importante seria feito, que é a disseminação de amor e cuidado com o próximo", idealiza Pedro.
Rosilene Santana, presidente do Conselho de Igualdade Racial de Vitória da Conquista, representante de terreiro, diz que busca uma ação enérgica da justiça. Segundo ela, o racismo religioso precisa ser sempre enquadrado como crime. Ela informa que na Delegacia Civil e no Ministério Público, a luta por respeito entre as religiões tem avançado, especialmente agora, em que há um delegado titular na cidade que abraça a causa do combate à intolerância religiosa.
Ela afirma que práticas de intolerância ocorrem não só por falta de conhecimento e que o criminoso comete o crime consciente do significado de seus atos. Para ela, a prática do crime de racismo é uma forma de expor a maldade presente no imaginário de alguns, que coloca a responsabilidade sobre o mal que se faz às pessoas, em alguém. "Querem colocar no demônio, no diabo, na entidade", afirma Rosilene. A presidente conta que os terreiros promovem a preservação da natureza e que cuidam dos idosos e crianças: "É uma religião que faz caridades, mas que a gente não bota na mídia, sendo que 99% dos terreiros fazem caridade diariamente". Rosilene conta que os frequentadores do terreiro que ela faz parte sofreram diversos tipos de intolerância, seja violência verbal e física. “Já quebraram o terreiro, atearam fogo em árvores, mataram animais e até roubaram o guardião do terreiro, além de furtarem alguns objetos”, ela lamenta.
Diante disso, o Delegado Regional da Polícia Civil, Fabiano Aurich, conta como são feitas as ações da justiça em casos de violência por religião. Após o registro da ocorrência, a ação ocorre em partes, com comprovação, análise e encaminhamentos. “Quando chegar na Delegacia, a autoridade policial vai intimar as partes”. Depois disso, acontecerão os depoimentos e se necessário serão expedidas guias para fazer perícia no local, caso tenha ocorrido a destruição do templo, por exemplo. Com isso em curso, se junta tudo que pode ser considerado como prova, como as imagens de celular e tudo é anexado ao procedimento. Posteriormente, o delegado vai verificar qual foi a atitude, indiciar os autores das ações e encaminhar para o Poder Judiciário.
Ainda de acordo com o delegado, existe uma facilidade maior para denunciar situações assim, pois atualmente as pessoas podem gravar as ações pelo celular. “Quando se tem a gravação é mais fácil para a polícia comprovar que a ação aconteceu”, avalia. O delegado Fabiano destaca a necessidade das vítimas acreditarem no trabalho da justiça: "Quando ocorre o fato, a vítima tem que comparecer à Delegacia de Polícia e registrar a ocorrência, devido ao tipo do crime, que é um crime que precisa ser combatido de forma rápida". Para ele, a divulgação das ações de combate e punição são importantes para a população saber que é crime e que a justiça está agindo para não acontecer novamente.
Outro delegado de Vitória da Conquista, que também é vereador no município, Marcus Vinícius, afirma que a Câmara Municipal tem feito cobranças junto à polícia e ao poder público, para que as leis federais sejam cumpridas em casos de intolerância religiosa. “Nós, vereadores, constantemente fiscalizamos esse tipo de ação”, conta Marcus Vinícius. O vereador relata que a Polícia Civil tem feito a parte dela nesse assunto, realizando inquéritos, atuando com rigor em relação a esse tipo de prática.
O delegado Marcus Vinícius afirma que o que se prega nos templos não condiz com a intolerância. “Qualquer tipo de preconceito é uma vergonha pro estado democrático de direito, uma vergonha para o ser humano, eu sou absolutamente contra. É inadmissível esse tipo de conduta”, sustenta o vereador. O delegado aponta a internet como parceira no processo de registro e apuração das ocorrências de crimes de intolerância: “Tudo chega mais rápido. Ao ofender alguém na rua, é filmado e ganha repercussão”. Ele relembra que o Disque 100 funciona em todo o Brasil como telefone para as pessoas denunciarem crimes de Intolerância Religiosa.
O pastor Manoel Cavalcante, presidente da Igreja Batista Boa Vista, diz que a intolerância religiosa piora a convivência social, especialmente, em um período de polarização, onde a religião pode provocar o agravamento das tensões existentes na sociedade. O pastor afirma que seria necessário promover ações que produzam uma cultura mais respeitosa e que a sociedade deixe de naturalizar essas violências.
Para ele, o problema vai além do poder de combate da justiça, pois, o modo das pessoas verem o mundo, através das discordâncias sociais, não é fácil de ser superado. Isso se baseia na educação que cada um recebe, bem como na cultura transmitida ao longo das gerações. Porém, segundo o pastor, é necessário que exista respeito mútuo, porque sem ele a convivência no mundo seria impossível. “Todos têm liberdade de escolher no que acreditar”, acrescenta.
Padre Alessandro, pároco da Paróquia Nossa Senhora Aparecida concorda com esse ponto de vista. Segundo ele, nenhuma religião pode promover qualquer tipo de violência. E que, por isso, a Igreja Católica busca o diálogo, de duas formas. Primeiro, o “ecumênico”, ou seja, precisamos entender as outras religiões, para haver uma convivência mais sadia. O sacerdote diz que o processo de diálogo é muito difícil, pois mesmo dentro de um templo religioso há diferentes pensamentos. "Somos católicos, mas infelizmente nem todos seguem os ensinamentos do Papa e os documentos da Igreja, assim como acontece nas demais religiões. Muitas vezes agem por si próprios”, pontua o padre.
Em segundo lugar, o pároco lembra que o “Evangelho” não deve ser imposto, mas proposto e a melhor forma de se fazer isso seria através das ações, não das palavras. Padre Alessandro afirma que os motivos pelos quais deveriam existir uma união precisam ser maiores do que os que causam desarmonia entre as pessoas de fé.
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